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Brasil e China estreitam laços com foco em tecnologia fiscal e soberania digital

Em um momento de transformação global nos sistemas digitais e intensificação da cooperação entre países do Sul Global, o Brasil começa a ocupar um papel estratégico cada vez mais visível. Durante a Conferência Mundial de Inteligência Artificial realizada em Xangai, na China, o diretor de Internacionalização e Comércio Eletrônico do Serpro, Rafael Oliveira Ferreira, revelou que autoridades chinesas estão interessadas em conhecer e, possivelmente, adotar soluções tecnológicas brasileiras nas áreas fiscal, tributária e de inclusão financeira.

“Hoje o Brasil é referência em sistemas tributários e controle de impostos. A China nos procurou para entender melhor como estamos avançando nessas áreas, especialmente no contexto da nossa reforma tributária”, afirmou Ferreira, que representou o governo brasileiro no Fórum “BRICS Ganhar-Ganhar”, dedicado à troca de experiências digitais entre os países do bloco.

O destaque, segundo o diretor, vai além do controle fiscal. O Pix — sistema de pagamentos instantâneos desenvolvido pelo Banco Central — também foi apontado como um exemplo de tecnologia inclusiva que ganhou visibilidade internacional. “Não conheço ferramenta mais inclusiva. O Pix permite que qualquer brasileiro movimente dinheiro de forma gratuita, rápida e segura. Isso está começando a acontecer até fora do Brasil, de maneira informal, em países da América Latina e da África”, explicou.

O sucesso do Pix, inclusive, chamou atenção dos Estados Unidos. Recentemente, o país abriu uma investigação para avaliar se o sistema brasileiro estaria criando uma competição “desleal” com gigantes do setor financeiro como Visa e Mastercard, sinalizando o impacto disruptivo da tecnologia brasileira no cenário global.

Plataformas digitais conjuntas nos BRICS

A proposta defendida por Ferreira é a construção de plataformas digitais públicas e modulares, capazes de serem adaptadas por diferentes países do BRICS — China, Brasil, Índia, Rússia e África do Sul. “A gente tem os mesmos problemas estruturais: saúde, educação, burocracia. O que muda são as leis, os costumes e as línguas. Se criarmos plataformas com uma base sólida e adaptável, poderemos acelerar entregas e garantir interoperabilidade entre países”, avaliou.

Esse tipo de integração permitiria, por exemplo, que Brasil e China compartilhassem soluções tecnológicas em áreas como identidade digital, programas sociais, comércio eletrônico e arrecadação fiscal, sem precisar construir tudo do zero em cada país.

Nuvem soberana e independência tecnológica

Outro destaque brasileiro que chamou atenção na conferência foi a “nuvem soberana” — plataforma de armazenamento e gestão de dados 100% sob controle do Estado brasileiro, desenvolvida pelo Serpro. A ideia é garantir que os dados do governo e da população não fiquem vulneráveis a pressões geopolíticas ou dependência de infraestruturas estrangeiras.

“Todos os países estão discutindo soberania digital. Nossa plataforma é operada dentro do Brasil, com tecnologia nacional, mesmo que parte do hardware ainda venha de fora. Temos fornecedores dos EUA, da China e de outros países, mas o conhecimento e o controle são nossos”, explicou Ferreira.

Potencial para cooperação Brasil-China

A parceria com empresas e instituições chinesas não é nova, mas tem ganhado um novo impulso com o avanço das reformas digitais brasileiras. Rafael Ferreira mencionou que há interesse mútuo em desenvolver soluções conjuntas — os chineses compartilham com o Brasil sua expertise em plataformas de grande escala, enquanto estudam os avanços brasileiros em áreas como inteligência fiscal, usabilidade digital e sistemas de arrecadação.

Segundo o diretor do Serpro, o Brasil se beneficia de décadas de investimento em tecnologia pública desde os anos 1980, o que permite hoje operar sistemas como a declaração de imposto de renda pré-preenchida e cruzamento de dados com inteligência artificial em escala nacional. “Quando dizemos para alguém de fora que fazemos a declaração em menos de dois minutos, eles simplesmente não acreditam.”

A tendência, reforça Ferreira, é de continuidade e expansão. Com a chegada do real digital, o fortalecimento do Open Finance e o desenvolvimento de novas soluções dentro do Banco Central, o Brasil deve seguir como referência internacional — agora com a China como possível parceira de desenvolvimento, ao invés de apenas cliente ou concorrente.

Um novo capítulo da cooperação Sul-Sul

A aproximação tecnológica entre Brasil e China sinaliza um novo momento nas relações bilaterais, tradicionalmente centradas em comércio de commodities e investimentos em infraestrutura. Agora, a inovação digital e o intercâmbio de soluções públicas se tornam pontes estratégicas para ampliar a influência dos BRICS no cenário global — especialmente diante de tensões com potências ocidentais.

Em um mundo cada vez mais digital, a capacidade de desenvolver, controlar e adaptar suas próprias plataformas pode ser o que definirá o grau de autonomia e relevância de um país nas próximas décadas. E, nesse campo, Brasil e China têm mais em comum — e mais a compartilhar — do que se imaginava.

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