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Por que a China quer explicações da Calvin Klein e Tommy Hilfiger?

China quer explicações da Calvin Klein e da Tommy Hilfiger por adotarem medidas discriminatórias contra produtos de Xinjiang, região onde é produzido 90% do algodão do país, quinto maior produtor mundial da fibra.

No dia 24 de setembro, o Ministério do Comércio chinês informou que investiga se a  varejista estadunidense PVH, dona das marcas Calvin Klein e Tommy Hilfiger, tomou medidas discriminatórias contra produtos de Xinjiang.

A investigação foca em descobrir se Calvin Klein e Tommy Hilfiger violaram leis chinesas ao reduzir compras de algodão ou roupas da região. Esta é a primeira vez que a China usa a chamada “Lista de Entidades Não Confiáveis” contra uma empresa por a partir de uma legislação de outro país, nesse caso os EUA, para proibir a importação de produtos de Xinjiang.

Em 2020, os EUA aprovaram a Lei de Prevenção ao Trabalho Forçado Uigur, que proíbe a importação de produtos de Xinjiang, incluindo o algodão, a menos que as empresas possam provar que não foram produzidos com trabalho forçado. A União Europeia também tem avançado com legislações semelhantes.

A PVH tem até o final de outubro para responder às acusações. Se for considerada culpada, poderá enfrentar multas, restrições de exportação e outras penalidades. Enquanto isso, a empresa afirmou que mantém conformidade rigorosa com as leis e regulamentos dos países onde opera.

Esse caso reflete o dilema enfrentado por multinacionais, que se veem pressionadas entre as exigências de conformidade dos países ocidentais e à reação do governo chinês, especialmente à medida que crescem as restrições a produtos ligados a Xinjiang nos Estados Unidos e na União Europeia.

A importância do algodão

algodão é a fibra natural mais popular no mundo, com um consumo anual global de 24,4 milhões de toneladas, ou aproximadamente 20% da produção total de fibras para a indústria da moda e têxtil.

Xinjiang é responsável por cerca de 20% da produção mundial de algodão, o que torna a região uma peça central na cadeia de fornecimento global da indústria têxtil.

Os boicotes contra o algodão de Xinjiang surgiram em resposta a alegações de violação de direitos humanos na região – que é alvo de ameaças terroristas – voltadas, principalmente, ao tratamento da minoria muçulmana uigur.

As acusações contra o governo chinês incluem a detenção em massa de uigures em centros de reeducação, vigilância em larga escala e repressão cultural e religiosa, além do uso de trabalho forçado na colheita de algodão e em outras indústrias.

O governo chinês nega as acusações de trabalho forçado e argumenta que as medidas de segurança em Xinjiang são necessárias para combater o extremismo e o terrorismo. Pequim acusa os países ocidentais de interferirem em seus assuntos internos e de promoverem uma campanha de desinformação contra a China. 

Vários países ocidentais, como os Estados Unidos e membros da União Europeia, impuseram restrições e sanções ao algodão produzido em Xinjiang, alegando que a produção envolve trabalho forçado e outras práticas abusivas.

As sanções e boicotes têm pressionado marcas globais de moda e varejistas a revisar suas cadeias de suprimento. Empresas como Calvin Klein, Tommy Hilfiger, H&M, Nike e Adidas enfrentaram reações mistas ao retirarem algodão de Xinjiang de seus produtos, gerando boicotes internos na China como retaliação.

Muitas marcas globais, como Calvin Klein e Tommy Hilfiger, que evitaram usar algodão da região devido a alegações de violações de direitos humanos, enfrentaram um boicote reverso dentro da China.

Jovens consumidores chineses têm utilizado as redes sociais para expressar apoio ao algodão de Xinjiang e rejeitar marcas vistas como críticas ao país.

Carta na manga

A Região Autônoma Uigur de Xinjiang é uma “carta na manga” dos Estados Unidos e aliados para conter a China. O vasto território faz fronteira com oito países: Rússia, Mongólia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Afeganistão, Paquistão e Índia.

Está no centro de rotas comerciais estratégicas. Foi peça central na Rota da Seda e continua a desempenhar um papel fundamental na Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), projeto ambicioso da China para conectar a Ásia com a Europa e a África por meio de infraestrutura e comércio.

Xinjiang é rica em recursos naturais, particularmente em petróleo, gás natural, carvão e minerais. É uma das principais bases de produção de energia, e seu desenvolvimento é parte da estratégia chinesa de segurança energética, crucial para o crescimento econômico de alta qualidade.

É um ponto de ligação para a expansão da influência chinesa na Ásia Central e além. Ao desenvolver conexões ferroviárias, rodoviárias e de energia que passam pela região, a China minimiza a dependência de rotas marítimas. Também é um elo importante para o comércio de energia com o Oriente Médio e a Europa.

Ameaça terrorista

A região tem um ponto crítico: a ameaça terrorista. A partir da década de 1990 até meados de 2010, Xinjiang enfrentou uma série de ataques atribuídos a grupos separatistas e extremistas, como o Partido Islâmico do Turquestão Oriental (ETIM).

Esses ataques incluem atentados suicidas, bombardeios e facadas que resultaram na morte de centenas de civis e forças de segurança. Pequim adota políticas de segurança que incluem vigilância e centros de reeducação.

Centros de reeducação que existem também em países ocidentais, como Estados Unidos e França.

Nos Estados Unidos, o sistema para enfrentar o terrorismo se baseia fortemente em prisões, com instalações de alta segurança, como a ADX Florence, onde estão presos condenados como líderes da Al-Qaeda.

Embora existam programas de desradicalização, como terapias cognitivo-comportamentais e aconselhamento religioso, a abordagem dos EUA é amplamente criticada pela falta de ênfase na reabilitação e reintegração dos detidos.

Além disso, a prisão de Guantánamo é alvo de críticas internacionais por violações de direitos humanos, especialmente devido ao uso de tortura em interrogatórios.

Na França, a tentativa inicial de criar centros de desradicalização fora das prisões, como o Château de Pontourny, foi descontinuada após resultados insatisfatórios. Esses centros visavam educar civicamente e reabilitar jovens em risco de radicalização, mas foram fechados em 2017.

A partir disso, o foco francês se voltou para programas implementados dentro de prisões, oferecendo apoio psicológico, aconselhamento religioso e educação sobre os valores republicanos. Após a libertação, os condenados por terrorismo são submetidos a rigorosa vigilância, uma medida para evitar a reincidência e garantir a segurança pública.

A China implementou uma rede de centros de reeducação em Xinjiang, voltada principalmente para a minoria uigur e outras minorias muçulmanas. Pequim diz que esses centros são parte de uma estratégia eficaz para combater o extremismo e promover o desenvolvimento econômico da região, oferecendo treinamento vocacional e educação ideológica.

O algodão das camisetas e calças jeans cultivado em Xinjiang carrega com ele a complexa realidade de onde é produzido, e das pessoas que o cultivam. No caso da China, por meio da moda, os EUA e aliados abriram uma nova frente de disputa com impacto profundo na geopolítica global.

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