Além das disputas territoriais em terra e mar, a geopolítica global desbrava uma nova fronteira: o fundo dos oceanos. A milhares de metros abaixo da superfície, encontram-se vastos depósitos de minerais, essenciais para a transição energética necessária na luta contra a crise climática.
O aumento da demanda por minerais essenciais, impulsionado pela transição global para fontes de energia limpa, tem intensificado o interesse na mineração em águas profundas.
Para se ter uma ideia, veículos elétricos requerem até seis vezes mais minerais do que os carros convencionais, enquanto as tecnologias de energia eólica offshore demandam 12 vezes mais metais e minerais por megawatt de eletricidade produzida, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, da sigla em inglês).
Projeções do Banco Mundial indicam que a extração desses minerais precisará quintuplicar até 2050 para atender às necessidades globais. Isso equivale a mais de três bilhões de toneladas de minerais e metais necessários para a produção de energia eólica, solar, geotérmica e para o armazenamento de energia.
Defensores da mineração em águas profundas argumentam que os recursos provenientes da mineração terrestre podem não ser suficientes para suprir essa crescente demanda, especialmente com a queda na qualidade dos minerais extraídos da terra devido à exploração excessiva. Além disso, questões ambientais e conflitos associados à mineração em terra reforçam a necessidade de novas fontes de extração.
Atualmente, a produção de minerais críticos em terra está concentrada em poucos países. A Austrália lidera na produção de lítio, enquanto o Chile é o maior fornecedor mundial de cobre. A China domina a produção de grafite e metais de terras raras, essenciais para produtos de alta tecnologia como smartphones e computadores. Já a República do Congo, Indonésia e África do Sul são importantes players nos mercados de cobalto, níquel, platina e irídio.
Com a crescente pressão por recursos minerais, a mineração em águas profundas se apresenta como uma alternativa crucial, mas também envolve desafios ambientais e tecnológicos significativos que ainda precisam ser superados.
Investimentos da China
A China, a maior fabricante mundial de painéis solares, carros elétricos e baterias, tem investido pesado para liderar a mineração em águas profundas, que oferece a possibilidade de acessar recursos minerais cada vez mais demandados por indústrias tecnológicas e de energia
Nesse território inexplorado, a China tem feito esforços para sair na frente. Em julho deste ano, a potência asiática anunciou que um veículo de mineração pesado de águas profundas completou um teste marítimo a uma profundidade superior a quatro mil metros, marcando um avanço significativo na tecnologia de desenvolvimento de recursos minerais em águas profundas do país.
O teste foi realizado pelo “Kaituo 2”, um protótipo de engenharia desenvolvido de forma independente pela Universidade de Jiao Tong de Xangai. O equipamento completou cinco operações de mergulho e mineração no fundo do mar, incluindo um mergulho recorde a 4.102,8 metros que marcou a primeira vez que um veículo de mineração pesado de águas profundas chinês conduziu operações experimentais a profundidades superiores a quatro mil metros.
Países investem na exploração do fundo do mar
Ainda não existem regras internacionais para a nascente indústria de mineração em águas profundas, que está apenas começando a se preparar para explorar as imensas riquezas do leito marinho internacional.
A mineração no fundo do mar ainda está principalmente na fase de exploração, mas há vários países e empresas envolvidos nesses esforços exploratórios. As duas maiores potências mundiais, China e Estados Unidos, aparecem na lista ao lado de Japão, Coreia do Sul, Rússia, Canadá, Austrália, Reino Unido, Bélgica, Alemanha e Noruega.
A China é um dos líderes na mineração em águas profundas, com investimentos significativos em tecnologia e exploração de nódulos polimetálicos e sulfetos. Enquanto a legislação dos EUA sobre mineração em águas profundas ainda está em desenvolvimento, empresas baseadas no país estão envolvidas em pesquisas e desenvolvimento de tecnologia para mineração no fundo do mar.
O Japão conduziu com sucesso testes de mineração em águas profundas, particularmente focados em sulfetos hidrotermais ricos em metais preciosos. A Coreia do Sul tem sido ativa na exploração de nódulos polimetálicos e crostas ricas em cobalto no fundo do mar.
A Rússia tem explorado recursos no Ártico e está envolvida em pesquisas sobre mineração no fundo do mar. Empresas canadenses, como a Nautilus Minerals, estiveram entre as primeiras a explorar a mineração do fundo do mar, especialmente em Papua Nova Guiné, embora a empresa tenha enfrentado desafios financeiros e ambientais significativos.
A Austrália tem mostrado interesse na exploração dos recursos minerais submarinos, particularmente ao redor de suas extensas áreas costeiras. O Reino Unido, através de empresas e parcerias, também participa de pesquisas e explorações em mineração em águas profundas.
A Bélgica tem sido um dos países pioneiros na exploração de nódulos polimetálicos e participa ativamente de debates internacionais sobre a regulamentação ambiental da mineração no fundo do mar.
A Alemanha investe em pesquisa tecnológica e ambiental relacionada à mineração em águas profundas e tem participado de expedições exploratórias.
A Noruega foi o primeiro país do mundo a aprovar a mineração em águas profundas. Em janeiro deste ano, o parlamento norueguês aprovou uma lei que acelera a exploração de metais críticos no fundo do mar, essenciais para a eletrificação de setores econômicos, e avançou com a prática em escala comercial.
Apesar de o governo norueguês afirmar que licenças só serão emitidas após estudos ambientais adicionais, a nova lei abre 280 mil km² de águas nacionais para exploração, uma área maior que o Reino Unido.
Mais uma frente de disputa China e EUA
Além do investimento em pesquisa e inovação para desbravar o fundo dos oceanos, a China faz parte da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS, da sigla em inglês), e abraça uma visão sobre a importância estratégica e econômica do leito marinho profundo.
Já os Estados Unidos se preparam para extrair minerais críticos de seu próprio fundo do mar, uma medida que visa reduzir a dependência de fontes externas. Como o país não ratificou a Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, suas operações de mineração estão restritas a águas territoriais, fora das áreas internacionais que estão além da jurisdição de qualquer nação.
A perspectiva é de que será deflagrada uma intensa batalha diplomática sobre as regras e regulamentações que governarão as atividades nessa vasta e inexplorada fronteira.
Sob o comando de uma brasileira
Uma brasileira tem papel central para estabelecer as regras para explorar o fundo do mar. A oceanógrafa brasileira Letícia Carvalho foi eleita para comandar a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, da sigla em inglês), organismo da Organização das Nações Unidas (ONU) responsável pela gestão dos recursos minerais em áreas internacionais dos oceanos.
Na eleição, realizada no dia 2 de agosto na Jamaica, a brasileira venceu a disputa contra o britânico Michael Lodge, atual secretário-geral. Ao todo, 113 países participaram da votação, dos quais 79 foram a favor de Carvalho.
A ISA é a entidade que administra a exploração de recursos minerais nos oceanos, considerados patrimônio comum da humanidade, e sua importância tem crescido com o aumento do interesse global pela mineração em alto-mar.
Carvalho assumirá o cargo de secretária-geral da ISA no período de 2025 a 2028, tornando-se a primeira mulher, cientista e latino-americana a ocupar essa posição. Ela tem 26 anos de experiência em cargos na administração pública brasileira e em organismos multilaterais, e atualmente é coordenadora do Ramo Marinho e Água Doce do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), em Nairóbi, no Quênia.
Estabelecida pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 e seu acordo de implementação de 1994, a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos também promove a cooperação internacional, a pesquisa científica e a transferência de tecnologia para a exploração mineral dos fundos marinhos internacionais.
Campanha polêmica
Durante a campanha para o comando da ISA, houve graves acusações contra o adversário derrotado pela brasileira, que envolveu desde pagamentos para garantir votos até abusos de fundos por diplomatas de alto escalão. A denúncia foi publicada pelo jornal The New York Times de 4 de julho deste ano.
Segundo a matéria, intitulada “Fight Over Seabed Agency Leadership Turns Nasty” (“Luta pela Liderança da Agência do Leito Marinho se Torna Agressiva”, em tradução livre), Michael Lodge, secretário-geral da ISA desde 2016 e candidato à reeleição derrotado, estaria envolvido em uma polêmica campanha pela liderança da entidade.
Caso fosse reeleito, Lodge pretendia conduzir a finalização de regras ambientais para a mineração em larga escala no Oceano Pacífico. Já a brasileira Leticia Carvalho defende uma abordagem mais cautelosa e a finalização das regras antes de qualquer aprovação para mineração.
Lodge foi acusado por um ex-executivo da ISA de usar indevidamente fundos da agência, levantando questões sobre a gestão dos recursos e a integridade das eleições. Ele nega qualquer irregularidade e defende os padrões de governança da autoridade.
Dos 31 contratos de exploração do fundo do mar concedidos pela ISA até março deste ano, sob a gestão de Lodge, 17 são para a Zona Clarion-Clipperton, entre o Havaí e o México, onde está em andamento a busca por nódulos polimetálicos — rochas em forma de batata que ficam no fundo do mar e são ricas em manganês, cobalto, níquel e cobre. Estes e outros minerais, incluindo lítio e grafite, são utilizados em veículos elétricos, painéis solares, turbinas eólicas e baterias de armazenamento de energia.
Minerais no fundo dos oceanos
- Nódulos Polimetálicos – Ricos em manganês, nódulos polimetálicos também contêm quantidades significativas de níquel, cobre, cobalto, e pequenas quantidades de outros metais raros. São encontrados espalhados no fundo do mar, particularmente em áreas como a Zona Clarion-Clipperton no Oceano Pacífico.Esses minerais são essenciais para a fabricação de baterias, componentes eletrônicos e ligas metálicas.
- Sulfetos Polimetálicos (ou Sulfetos Maciços de Fundo Marinho) – Contêm altas concentrações de metais como cobre, zinco, chumbo, ouro e prata, além de pequenas quantidades de cobalto e outros metais preciosos.Encontrados ao redor de fontes hidrotermais no fundo do mar, como as dorsais oceânicas. São usados na fabricação de eletrônicos, condutores elétricos e em diversas aplicações industriais.
- Crosta de Cobalto (ou Crostas Ferromanganês) – Ricas em cobalto, essas crostas também contêm platina, níquel e manganês.Formam-se em montes submarinos e encostas de ilhas no fundo do oceano, especialmente em áreas do Pacífico. Cobalto é essencial para baterias recarregáveis, superligas e aplicações em alta tecnologia.
- Terras-raras – Incluem elementos como neodímio, lantânio, cério, que são cruciais para a fabricação de ímãs de alta performance, catalisadores, e componentes de tecnologia avançada.Embora as terras-raras sejam encontradas principalmente em depósitos terrestres, há potencial para sua extração em áreas de crostas ferromanganês e nódulos polimetálicos. Essenciais para eletrônicos, ímãs em motores elétricos e tecnologia verde, como turbinas eólicas.
- Areia e Cascalho – Embora menos valiosos que os minerais mencionados acima, areia e cascalho também são extraídos do fundo do mar para uso na construção civil. Encontrados em várias partes do fundo do oceano, especialmente em águas costeiras. Utilizados na construção de edifícios, estradas e outras infraestruturas.
- Gás Hidratos de Metano – Gás metano preso em uma estrutura de gelo, também conhecido como clatratos de metano.Encontrados em áreas de alta pressão e baixa temperatura, como as margens continentais profundas.Potencial fonte de energia, embora a extração comercial ainda seja uma tecnologia emergente.
- Diamantes Marinhos – Diamantes que se formaram nas profundezas da Terra e foram transportados para o fundo do mar por rios e correntes. Comumente encontrados em áreas costeiras, como na costa da Namíbia.Utilizados em joalheria e aplicações industriais.
Preocupações ambientais
A mineração no fundo do mar é vista como uma oportunidade para acessar recursos que são cada vez mais difíceis de encontrar em terra, mas também enfrenta críticas e preocupações ambientais significativas.
Essas preocupações levaram cientistas, ambientalistas e algumas nações a pedir uma moratória ou uma regulamentação rigorosa da mineração em águas profundas até que seus impactos sejam mais bem compreendidos e que se possam desenvolver métodos para minimizar os danos ambientais.
As preocupações ambientais relacionadas à mineração do fundo dos oceanos são diversas e significativas, devido aos potenciais impactos sobre os ecossistemas marinhos, muitos dos quais são pouco conhecidos e altamente vulneráveis.
- Destruição de Habitats Marinhos – A mineração em águas profundas pode causar a destruição de habitats marinhos únicos, como os campos de nódulos polimetálicos e as fontes hidrotermais, que abrigam espécies raras e endêmicas. A remoção de sedimentos e rochas do fundo do mar pode devastar esses habitats, levando à perda irreversível de biodiversidade.
- Impacto sobre a Biodiversidade – Os ecossistemas de águas profundas são altamente diversificados e muitos organismos que vivem nessas áreas têm funções ecológicas críticas. A mineração pode levar à extinção de espécies que ainda nem foram descobertas ou estudadas, comprometendo a biodiversidade global.
- Poluição Sonora e Lumínica – A operação de máquinas de mineração em grandes profundidades pode gerar poluição sonora e lumínica, perturbando a vida marinha. Espécies que dependem de sons e luz para navegação, comunicação e caça podem ser afetadas negativamente.
- Turbidez e Sedimentação – A escavação do fundo do mar pode liberar grandes quantidades de sedimentos na coluna de água, aumentando a turbidez e alterando a qualidade da água. Isso pode prejudicar organismos filtradores e outros animais que dependem de água limpa para sobreviver.
- Liberação de Substâncias Tóxicas – A mineração pode liberar metais pesados e outros poluentes que estavam presos nos sedimentos, contaminando a cadeia alimentar marinha. Esses poluentes podem acumular-se em peixes e outros organismos marinhos, eventualmente afetando a saúde humana.
- Mudanças no Ciclo de Carbono – Os sedimentos do fundo do mar contêm grandes quantidades de carbono. A mineração pode liberar esse carbono de volta à água, interferindo no ciclo natural e potencialmente contribuindo para o aumento dos níveis de CO2, exacerbando as mudanças climáticas.
- Interrupção de Processos Ecológicos – Muitos processos ecológicos essenciais, como a reciclagem de nutrientes e a manutenção da produtividade biológica, podem ser interrompidos pela mineração. A remoção de grandes áreas de sedimentos pode alterar a estrutura e a função dos ecossistemas marinhos de forma imprevisível.
- Riscos de Contaminação em Larga Escala – A mineração em águas profundas pode aumentar o risco de vazamentos ou acidentes que poderiam ter impactos ecológicos em larga escala, especialmente se ocorrer em áreas ecológica e economicamente importantes.
- Falta de Conhecimento – A falta de conhecimento detalhado sobre os ecossistemas de águas profundas torna difícil prever e mitigar os impactos da mineração. Grande parte do fundo do mar ainda não foi explorada, o que significa que a mineração pode destruir habitats antes que eles sejam completamente compreendidos.
- Dificuldade em Recuperação – Os ecossistemas marinhos de águas profundas são caracterizados por uma recuperação extremamente lenta devido às condições ambientais, como baixa temperatura e pressão elevada. Qualquer dano causado pela mineração pode levar séculos, ou até milênios, para ser revertido, se é que isso será possível.
O post China desbrava uma nova fronteira: mineração no fundo do mar apareceu primeiro em Agência Brasil China.